"Simplifique e adicione leveza"
Se estivesse vivo hoje, 19/05/2018, Anthony Colin Bruce Chapman (ou apenas Colin Chapman para os mais chegados) estaria completando 90 anos de vida – o que por si só já seria um grande feito.
Mas se a longevidade não foi um dos maiores trunfos de Colin (ele supostamente faleceu aos 54 anos), o legado que ele deixou com certeza o é.
É difícil imaginar um carro atual, de corrida ou não, que não deva muito a alguma inovação chapmaniana. O próprio Fiestinha deve muito a ele, não apenas no nome (“Black Lotus” é, de certa forma, uma homenagem), mas também na aplicação de seus conceitos.
Colin Chapman foi um engenheiro, designer e projetista inglês que fez carreira no automobilismo, que sabia muito bem levar a interpretação dos regulamentos ao limite, tal como comprovou a vitoriosa carreira de sua equipe, a Lotus, que venceu sete mundiais de construtores entre 1963 e 1978 na Fórmula 1.
Mas a história de Colin Chapman no automobilismo começou muito antes, em 1948, quando ele criou um carro de corridas, o Lotus Mk1 (na época, chamado apenas “Mark I”), e que foi assim batizado em homenagem à sua então namorada e futura esposa, Hazel, que ele carinhosamente chamava de “Flor de Lótus”.
Na época, Chapman ainda era um estudante de engenharia na Universidade de Londres, mas já mostrava sua inventividade, por exemplo, ao adotar uma carenagem mais leve, feita com finas chapas de alumínio.
Com o dinheiro dos prêmios ganhos em provas locais, Chapman criou o Lotus Mk2, e assim foi seguindo até chegar no Lotus 7, que é vendido até hoje na forma de kit cars pela Caterham (sob o nome de Caterham Seven), e que, vejam só, dentre outras possíveis configurações, também usa um motor Duratec 2.0 16v.
Lotus Seven e Caterham Seven respectivamente
Aliás, ele próprio chegou a correr na Fórmula 1 antes mesmo de sua equipe: Chapman participou do GP da França de 1956, pilotando pela Vanwall, dois anos antes da estreia da Lotus na Fórmula 1.
Naquele GP (e único em que participou como piloto), Chapman não foi tão bem sucedido quanto a Lotus seria – na verdade, ele colidiu com o companheiro de equipe, Mike Hawthorn, no hairpin de Thillois durante os treinos, e não chegou a participar da corrida em si.
Mas a história da Lotus foi diferente, muito em razão da engenhosa inventividade de Colin Chapman e de sua experiência na aviação, ainda que curta, quando serviu nas Forças Aéreas Britânicas.
Dentre as inovações trazidas pela Lotus, tivemos o revolucionário chassi monocoque, uma peça única em volta da qual o carro era montado, tornando o conjunto não apenas mais leve, mas também mais resistente, e que foi aplicado no Lotus 25 em 1962 (a Lotus venceria o primeiro mundial de construtores em 1963 com esse carro).
Esse, aliás, era um grande conceito aplicado: “Simplifique e adicione leveza” é a célebre frase atribuída a Chapman, e foi assim também que a Lotus começou a oferecer seus carros de produção (e não mais apenas kit cars), como o Lotus Elite: compensando a pouca (ou não muita) potência com baixo peso.
Lotus Elite: Apenas 75 CVs mas pouco mais de 500kg
A própria dieta pela qual o Fiestinha passou prova isso: mesmo sendo manquinho, um carro mais leve acelera muito mais rápido, freia muito melhor, e contorna melhor as curvas, mesmo desbalanceando o equilíbrio de divisão de massa entre dianteira e traseira. Foi não apenas a modificação mais barata (afinal, foi só arrancar um monte de coisa fora!), mas também uma das que trouxe resultados mais perceptíveis ao carro – mais até que o próprio swap de motor em si.
Mas voltando às inovações de Chapman, tivemos também um grande avanço em aerodinâmica.
Se os carros atuais da Formula 1 tem o desenho de hoje, muito disso é por causa de Chapman, que, por exemplo, tirou os radiadores da parte frontal dos carros e os deslocou para os sidepods (as caixas laterais), diminuindo o arrasto aerodinâmico e melhorando a distribuição de peso.
Tivemos também o famoso carro-asa, que utilizando o efeito-solo com saias laterais para isolar o fluxo de ar, pode ganhar muito mais downforce, diminuindo o arrasto aerodinâmico. Win win.
Carro-Asa
E Chapman conseguiu evoluir ainda mais o carro-asa, com o chassi duplo, anos mais tarde, em 1981.
Naquele ano, o efeito-solo dos carros já era tão eficiente, que os pilotos sofriam muita fadiga, não apenas em razão da rigidez necessária para obter o downforce, mas também pelos grandes níveis de força G atingidos.
Assim, Chapman criou o Lotus 88, que utilizava um sistema de chassi duplo: um chassi interno segurava o cockpit e era suspenso de forma independente do chassi externo. Este, por sua vez, era livre para ser inteiramente responsável pela aerodinâmica (em verdade, era em si uma enorme peça aerodinâmica, indo desde o nariz do carro até as rodas traseiras), conseguindo gerar ainda mais downforce, com um pouco mais de conforto para os pilotos.
Lotus 88
Apenas uma curiosidade: o Lotus 88 de 1981 usava um motor Ford (na verdade, a Lotus já usava motores Ford desde 1967 com o Lotus 49), preparado por dois de seus ex-funcionários: Mike Costin e Keith Duckworth, fundadores da Cosworth. Vejam só como a história dá voltas...
Outra inovação de Chapman, que não está diretamente ligada às tecnologias automobilísticas, diz respeito às cores dos carros de corrida.
Em 1968, a Lotus rompeu a tradição dos carros seguirem as cores de suas nacionalidades (os carros ingleses, até então, usavam pintura verde) e passou a fornecer a carroceria de seus carros como espaços publicitários.
O primeiro esquema de cores não verde da Lotus foi com a publicidade da Gold Leaf, com a pintura vermelha e branca, e depois, sob o patrocínio da John Player Special, com sua muito mais famosa pintura preta e dourada.
Black Lotus de Ayrton Senna, carro que lhe rendeu sua primeira vitória na F1 em 1985
A partir de 1978, Chapman se uniu a John Zachary DeLorean, um ex-engenheiro da GM que pretendia lançar no mercado o DMC-12, um esportivo futurista e revolucionário de motor central (originalmente, seria um Wankel, leve e compacto), utilização de peças de material compósito, e desenhado pelo famoso Giorgetto Giugiaro, que àquela época também já havia desenhado o Esprit para a Lotus, carro inclusive que havia estrelado um filme do James Bond no ano anterior.
A parceria de Chapman com DeLorean gerou alguns escândalos, inclusive com uma suposta acusação de DeLorean por tráfico de cocaína, mas o fato é que Chapman já estava numa situação financeira bastante complicada àquela altura.
Se Chapman sabia encontrar as brechas nos regulamentos de corridas da época, não teve a mesma sorte com o fisco. Em 1982, estava prestes a ser condenado e preso por 10 anos por suposto desvio de dinheiro na Inglaterra, inclusive com risco de ter a Lotus confiscada.
Colin Chapman morreu em 16 de dezembro daquele ano, vítima de um ataque cardíaco fulminante.
Diz a lenda, contudo, que Chapman não teria falecido aos 54. Segundo o folclore, Chapman teria forjado sua morte e fugido para o Brasil, a exemplo de Ronald Biggs, o famoso ladrão do trem postal.
Independente de qualquer coisa, contudo, e a despeito dos escândalos em que se envolveu, fato é que Colin Chapman teve ideias revolucionárias que marcaram o mundo dos carros e do automobilismo, e sua história e contribuição continuam presentes até hoje.
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